terça-feira, 2 de outubro de 2012

A Música Congregacional Contemporânea - Os Desafios do Culto e da Prática Cristã

worship Por Flávio Rodrigues

“A palavra de Cristo habite em vós abundantemente, em toda a sabedoria, ensinando-vos e admoestando-vos uns aos outros, com salmos, hinos e cânticos espirituais; cantando ao Senhor com graça em vosso coração” (Colossenses 3.16 – ARC).
“Certa vez perguntaram ao compositor austríaco Franz Joseph Haydn qual a razão de suas composições sacras serem tão alegres. Ele respondeu: - Não posso fazê-las de outro modo. Quando penso em Deus e em Sua graça manifestada em Jesus Cristo, meu coração fica tão cheio de alegria que as notas parecem saltar e dançar da pena com que escrevo. Já que Deus me tem dado um coração alegre, deve ser-me permitido servi-lo com alegria.” (Extraído e corrigido).
Quem nasceu na década de 1970, ou até antes, com certeza presenciou uma grande mudança no cenário musical da igreja evangélica brasileira. Naquela época muitas igrejas resistiam à presença de certos instrumentos musicais e algumas não viam com bons olhos a introdução de “corinhos novos”. Porém, à medida que o tempo passava, a música congregacional foi se desenvolvendo e se adaptando aos novos estilos e tendências do mercado fonográfico.
Hoje temos uma música tecnicamente bem trabalhada e com variedades de estilos e preferências. Por outro lado, o mesmo não se pode dizer da composição literária, poética e, principalmente, teológica das canções que temos entoado em nossas igrejas. Isso tem preocupado um número crescente de pastores de denominações históricas consolidadas.
Analisemos o seguinte: Qual o objetivo do culto cristão? Qual o papel da música na adoração comunitária? Que implicações ela traz para o nosso viver diário? Vejamos.

A música possui um altíssimo poder de influência
Disso ninguém duvida. Dizia Martinho Lutero: “Os meus sermões certamente esquecereis, mas as minhas canções sempre recordareis”. Ele estava certo. A nossa memória retém muito pouco dos discursos que ouvimos. Entretanto, a música nos faz lembrar uma infinidade de coisas, como locais, datas, fórmulas da matemática, da física e da química, como também eventos históricos. Ela influencia no comportamento de grupos diferenciados, tanto em sua filosofia como em sua cultura. Ela influencia em nossas emoções e humor. É por isso que hoje existe a profissão de musicoterapeuta. Enfim, a música pode ser
usada para manipular os sentimentos e comportamentos das pessoas. Para tal não é preciso ser cristão. Qualquer um que usar técnicas musicais adequadas produzirá o efeito desejado em ambientes de sua escolha, sejam lágrimas ou risos; paz ou excitação.
Diante disso, que tipo de influência as canções têm exercido em nossas igrejas? De que maneira elas têm moldado as nossas convicções doutrinárias e a cosmovisão cristã que possuímos?

A música traz uma mensagem
Todos cremos que a música tem uma mensagem a passar, e este é o ponto crucial que irá definir, pelo menos em parte, o nível da nossa espiritualidade. A música é um reflexo de quão madura é a comunhão do compositor e escritor com Deus.
Ao olhar para trás e compararmos a maioria das canções atuais com a produção literária e poética, bem como a teologia por trás dos hinos e cânticos de outrora, veremos que houve um declínio acentuado na qualidade da mensagem que a música contemporânea tem trazido.
Não cantamos mais o evangelho; cantamos nossos sonhos pessoais. Não cantamos a esperança do céu glorioso; cantamos as conquistas do aqui e agora. Não mencionamos sacrifício; “profetizamos” prosperidade e restituição material. Não cantamos missões. Não mencionamos cruz. Não confrontamos o pecado em sua vileza. Não enfatizamos a necessidade de confissão e arrependimento. Queremos ser vitoriosos, mas não gostamos de falar sobre derrotas.
É verdade que entoamos algumas dessas verdades em uma ocasião ou outra. Mas praticamente preferimos o café com leite dos “hits” do momento ao banquete edificante e consolador dos hinos clássicos e obras de músicos contemporâneos sérios, que são menos conhecidos. Preferimos importar o acervo de denominações que carregam as cicatrizes das divisões e sua teologia fragilizada.
Não me entendam mal. Nada tenho contra a produção musical para a Igreja hoje. Creio que diversos estilos podem e devem ser cultivados. O que temos de nos preocupar é com o conteúdo que estamos transmitindo. O que é apenas “bonitinho” sairá de cena para dar lugar a outro “sucesso gospel” que, por sua vez, durará só mais um momento.
A música cristã é muito mais que produção fonográfica; é muito mais que tocar e cantar. Ela é necessária para exercer um papel transformador e edificador do corpo de Cristo, que é a Igreja.
Sendo assim, o que podemos fazer para restabelecer a função da música congregacional? O que a Bíblia nos diz a esse respeito? Examinemos a questão.
“A palavra de Cristo habite abundantemente em vós, em toda a sabedoria...” A primeira coisa a fazer é nos voltarmos para as Escrituras. Elas são o manual seguro para instruir-nos como deve ser um culto autenticamente espiritual. Por elas o crente é alimentado e vacinado contra as heresias modernas e teologias antropocêntricas. Mas de que forma faremos com que a Palavra habite em nosso coração?
 “...Ensinando-vos e admoestando-vos uns aos outros...” Devemos considerar o compromisso mútuo que temos como Igreja. Cada membro é importante para o Senhor e precisa ser cuidado, nutrido espiritualmente, desenvolver-se e cooperar com os outros membros para edificação do corpo de Cristo. O ensino e o conselho das Escrituras nos tornarão mais consistentes e desejosos de alimento espiritual sólido. Isso nos proporcionará uma lembrança mais vívida da Palavra de Deus.
Muitos param por aqui, achando que o mero falar será suficiente para revolucionar a qualidade espiritual de suas congregações. Mas será que basta só ensinar e aconselhar? O que estaria faltando no culto? Música, é óbvio. Mas não como instrumento manipulador de emoções. A Bíblia deve ser a diretriz central do culto. A doutrina cristã deve estar fundamentada na Palavra. A música deve ser um instrumento de transmissão da mensagem de Cristo, intrinsecamente conectada com a adoração. É aí que entra o próximo ponto.
“... Com salmos, hinos e cânticos espirituais...” A música cristã congregacional precisa estar centralizada nas Escrituras. Pensem numa coisa: como é que Paulo pôde exortar aos crentes de Colossos a serem habitação da Palavra de Cristo, sendo que quase nenhum deles possuía um exemplar das Escrituras? Não seria muito provável que havia entre eles quem musicasse a própria Palavra? Sim, é possível que houvesse alguém que, pelo menos, a usasse como uma forma de exegese melódica. De outro modo como poderiam ensinar a Palavra e aconselhar-se mutuamente utilizando “salmos, hinos e cânticos espirituais”? E isso deveria ser na prática diária deles, isto é, em casa, no trabalho, no convívio social.
Eles perceberam que a música pode contribuir de modo formidável para edificação da igreja.
Quando os reformadores revolucionaram a Europa com a fé protestante, eles introduziram uma nova maneira de fazer música sacra. Sua preocupação não era fazer música por fazer. Desejavam encher o Continente com o conhecimento de Cristo. Definiram, assim, parâmetros de como deveria ser a música cristã. A mensagem deveria ser enfática, inteligível, reverente e atraente. A melodia, assim como os arranjos vocais e instrumentais, não poderiam violar esses parâmetros, abafando a mensagem central.
Infelizmente, hoje vemos que o contrário ocorre. Músicas muitos lindas, porém vazias de conteúdo. Som alto e instrumentos acima das vozes. “Grupos de Louvor” roubam a cena, tornando-se a “atração” principal. A congregação é reduzida a meros expectadores leigos, tentando acompanhar o momento de adoração repleto de muito emocionalismo.
Claro que não estou generalizando. Sei que a maioria é bem intencionada e busca oferecer o melhor que pode ao Senhor. Entretanto, precisamos considerar os princípios norteadores das Escrituras para um culto sadio e livre de interferências externas.
Conclusão
A Bíblia nos diz em Efésios 5.18-19: “Enchei-vos do Espírito”. Como? “Falando entre vós”. De que maneira? “Com salmos, hinos e cânticos espirituais”. Alguns ficariam surpresos, mas a música também deve ser um veículo motivador nesse encher do Espírito. Isso é muito sério e precisa ser levado em conta por todos os compositores e produtores musicais, bem como pelos integrantes de departamentos de música, e pela Igreja como um todo.
Minha palavra final aos músicos e compositores é:
  • Procurem se basear nas Escrituras, pois elas são o guia seguro para uma mensagem musical correta e livre de influências heréticas e humanistas.
  • Procurem se expressar em português fluente, claro e correto. A mensagem precisa ser transmitida com dignidade, beleza, clareza e criatividade. Um poeta precisa ser apaixonado por sua língua materna. E Deus merece ser louvado por meio de uma linguagem excelente.
  • Se suas composições são para serem entoadas pela congregação, que seja no tom certo; assim todos poderão cantá-las sem forçar muito a voz. Lembrem-se: existem vozes graves e agudas. A tonalidade adequada não atrapalha a concentração na mensagem.
  • Procurem transmitir a mensagem com a melodia apropriada. Uma letra que fala de alegria não pode ser entoada com uma melodia triste.
  • Gosto não se discute, é verdade. Mas um bom músico conhece e ouve até estilos que não aprecia. Isso inclui música clássica, hinos tradicionais, músicas que marcaram as gerações evangélicas dos anos 1970 até os nossos dias. Essa combinação aguça a criatividade, podendo-se, assim, trabalhar as canções, enriquecendo suas estruturas melódicas, harmônicas e rítmicas.
  • Pesquisem e aprendam sobre a história da música, suas influências e seu legado. Saibam que ela é uma dádiva de Deus e deve ser usada amplamente em nosso viver diário, como Ele nos ordena, para o louvor da Sua glória.
Soli Deo Gloria!

Flávio Rodrigues é tecladista e membro da Igreja Presbiteriana em Tabuazeiro.

2 comentários:

  1. O Pastor Jocarli de público teceu comentários a respeito desse artigo e o recomendou com veemência.O Pastor tinha razão! O artigo é mesmo muito bom.Teológicamente correto,com estilo literata eloquente e com a autoridade de quem entende do que está falando. Eu oro para que este escrito rompa os limites do nosso blogspot e venha a ser conhecido pelos que militam nom louvorores das nossas IPBs. Quanto a nossa IPB Tabuazeiro, estamos de parabéns: o Flávio é "Prata da casa". Com reverência "Soli Deo Glória!"

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  2. Quem conhece Flávio não é pra ficar espantado com toda essa maravilha de narrativa, pois o texto, realmente revela todo o seu pensamento, sua vida de dedicação à Deus, assim como seu compromisso; seja na vida espiritual ou no participar dos cultos com seu teclado, nos proporcionando prelúdios e poslúdios, com música refinadas.
    Flávio seu pensamento esta corretíssimo. Eu voltei alguns anos no passado, quando ouvíamos corais e quartetos harmoniosos.
    Você mostrou o seu zelo para com Deus. Continue assim. Seu amigo Diac. Celso

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