Em 1538, o cardeal italiano Sadoleto escreveu aos líderes de Genebra tentando persuadi-los a voltarem para a Igreja Católica Romana, depois que eles abraçaram os ensinamentos da reformada. Ele começou a carta com uma longa seção conciliatória sobre a preciosidade da vida eterna, antes de tratar das acusações contra a Reforma. Calvino escreveu a resposta ao Sadoleto em seis dias, no outono de 1539. Essa carta foi um dos seus primeiros escritos e espalhou seu nome como reformador por toda a Europa. Lutero leu a carta e disse: “Aqui está um escrito que tem mãos e pés. Alegro-me que Deus levante tais homens”.[1]
O zelo incessante de Calvino em ilustrar a glória de Deus
A resposta de Calvino à Sadoleto é importante porque revela a raiz da discussão de Calvino com Roma, que determinaria sua vida inteira. A questão não foi, em primeiro lugar, sobre os pontos bem conhecidos da Reforma: a justificação, os abusos sacerdotais, transubstanciação, orações a santos e autoridade papal. Todos foram discutidos. Mas secundariamente, a questão fundamental para João Calvino, desde o início de sua vida até o fim, foi a questão da centralidade e supremacia e majestade da glória de Deus.[2]
Aqui está o que Calvino disse ao cardeal: "[Teu] zelo por uma vida santa [é] um zelo que mantém um homem inteiramente devoto a si mesmo e não o desperta, em nenhum momento, a santificar o nome de Deus". Em outras palavras, mesmo a verdade preciosa a respeito da vida eterna pode ser bastante distorcida e deslocar Deus do centro e do alvo. Esta era a principal contenda de Calvino com Roma. Isso sempre aparece em seus escritos. Ele continua e diz a Sadoleto o que ele deveria fazer — e o que Calvino almeja fazer toda sua vida — "colocar à frente [do homem], como motivo primordial de sua existência, zelo para demonstrar a glória de Deus".
O significado essencial da vida de João Calvino e sua pregação é que ele recuperou e personificou uma paixão pela realidade absoluta da majestade de Deus. Benjamin Warfield disse sobre Calvino, “Nenhum homem jamais teve um sentido mais profundo de Deus do que ele”.[3]
Geerhardus Vos, estudioso do Novo Testamento de Princeton, fez esta pergunta em 1981: “Porque é que a teologia reformada foi capaz de compreender a plenitude da Escritura ao contrário de qualquer outro ramo do cristianismo? Ele respondeu: Porque a teologia reformada pegou das Escrituras a sua ideia central e raiz mais profunda... Esta ideia ou raiz que serviu de chave para abrir os tesouros das Escrituras foi a preeminência da glória de Deus na consideração de tudo o que foi criado.”[4] Foi essa orientação implacável pela glória de Deus que deu coerência à vida de João Calvino e à tradição reformada. Vos disse que o “slogan abrangente da fé reformada foi este: a obra da graça no pecador é um espelho da glória de Deus”. Espelhar a glória de Deus foi o sentido da vida de João Calvino e seu ministério.[5]
Quando Calvino estava concluindo à questão da justificação em sua resposta à Sadoleto, ele disse, “você... aborda sobre a justificação pela fé, como o assunto mais agudo da controvérsia entre nós... Onde quer que esse conhecimento seja retirado, a glória de Cristo é extinta”. Então, aqui, novamente, podemos ver o que é fundamental. A justificação pela fé é crucial. Mas há uma razão mais profunda por isso que é crucial. A glória de Cristo está em jogo. Onde quer que o conhecimento da justificação seja tirado, a glória de Cristo é extinta. Este é sempre o mais profundo problema para Calvino. Como a verdade e o comportamento “ilustram a glória de Deus”?
Movido pelo desejo de mostrar a glória de Deus
Para Calvino, a necessidade da Reforma foi basicamente esta: Roma tinha “destruído a glória de Cristo em muitas maneiras, apelando a santos para interceder, quando Jesus Cristo é o único mediador entre Deus e o homem; adorando a Virgem Santíssima, quando Cristo deve ser adorado; oferecendo um contínuo sacrifício da missa, quando o sacrifício de Cristo na Cruz é completo e suficiente,[6] elevando a tradição ao nível das Escrituras e até mesmo fazendo a palavra de Cristo dependente da autoridade na palavra do homem.[7] Calvino pergunta, em seu comentário sobre a carta aos Colossenses, “Como é que somos levados por muitas doutrinas estranhas (Hb 13.9)?” Ele responde: “Porque a excelência de Cristo não é percebida por nós”. Em outras palavras, o grande guardião da ortodoxia bíblica ao longo dos séculos é uma paixão pela glória e a excelência de Deus em Cristo. Onde o centro se desloca de Deus, tudo começa a mudar em todos os lugares, fato que não prediz nada de bom à fidelidade doutrinária em nossos dias não centrada em Deus.
Portanto, a raiz unificadora de todos os trabalhos de Calvino foi a sua paixão para mostrar a glória de Deus em Cristo. Quando ele tinha 30 anos de idade, ele descreveu uma cena imaginária de si mesmo, no final de sua vida, prestando contas a Deus. Ele disse: “A coisa [ó Deus] em que eu principalmente busco, e para o qual eu trabalhei mais diligentemente, foi que a glória de tua bondade e justiça... resplandecesse, que a virtude e as bênçãos de Cristo... pudessem ser totalmente exibidas”.[8]
“Vinte e quatro anos depois, inalterado em suas paixões e metas, e um mês antes de realmente prestar contas a Cristo no céu (ele morreu com 54 anos), as últimas palavras de Calvino foram, “Eu não escrevi nada por ódio a qualquer pessoa, mas eu fielmente sempre propus e estimei viver para a glória de Deus”.[9]
John Calvin and His Passion for the Majesty of God
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Tradução: Rev. Jocarli A. G. Junior
[1] Henry F. Henderson, Calvin in His Letters (London: J. M. Dent, 1909), 68.
[2] John Dillenberger, John Calvin, Selections from His Writings (Atlanta: Scholars Press, 1975), 89; emphasis added.
[3] Benjamin Warfield, Calvin and Augustine (Philadelphia: Presbyterian and Reformed, 1971), 24.
[4] Geerhardus Vos, “The Doctrine of the Covenant in Reformed Theology,” in Redemptive History and Biblical Interpretation: The Shorter Writings of Geerhardus Vos (Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Reformed, 1980), 241–42; emphasis added.
[5] Phillipsburg, NJ: Presbyterian; Ibid., 248.
[6] T. H. L. Parker, Portrait of Calvin (Philadelphia: Westminster Press, 1954), 109.
[7] João Calvino, Institutas da Religião Cristã, vl. 1, cap., 7, 1. “Entre a maioria, entretanto, tem prevalecido o erro perniciosíssimo de que o valor que assiste à Escritura é apenas até onde os alvitres da Igreja concedem. Como se de fato a eterna e inviolável verdade de Deus se apoiasse no arbítrio dos homens!” João Calvino, Institutas da Religião Cristã, ed. John McNeill e Thomas Ford Lewis Battles, The Library of Christian Classics, vol. 21 (Philadelphia: Westminster Press, 1960).
[8] John Dillenberger, John Calvin, Selections from His Writings (Atlanta: Scholars Press, 1975), 110.
[9] Ibid., 42.
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